Se há um sujeito que eu admiro é o Josias Silva. Pastor, cantor gospel, uma pessoa sensível, inteligente e que escreve com o coração.
O Tempo e a Saudade me marcaram, pelo jeito simples e principalmente pela minha identificação com o narrado. Uma história parecida com a minha, quem não sente saudades da infância, das coisas que comia e amava comer, dos lugares onde ia?
Pedi a ele autorização para compartilhar com vocês.
Leia e viage no tempo.
Fernando Marin
O Tempo e a Saudade
Por: Josias Silva
Das
coisas mais tristes, e também mais lindas de se sentir – é a
saudade. A saudade é algo difícil de explicar, na realidade, toda
emoção é difícil de explicar; e saudade é emoção. Saudade tem
a ver com a alma. É como tentar explicar a lágrima, não há
explicação, por mais cientificamente que se tente explicar, não
pode explicar a vontade chorar. Saudade não se explica, se sente.
Saudade
é como quando a gente é pequena, e
tem vontade de comer doce, a vontade não passa enquanto não
comemos. Só que quando a gente é adulto, nem sempre conseguimos
comer os doces que queremos, pois, às vezes, eles nem fazem mais
parte desse mundo, ai, a vontade e saudade se confundem. Rubem
Alves diz no seu livro Tempus Fugit, que significa – O tempo foge:
“Quem
sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única
do momento que nunca mais será”
Às
vezes sinto saudades de coisas singelas – como ver meu pai chegando
às sextas-feiras do trabalho e ficar feliz porque no sábado de
manhã iríamos na casa do meu tio, Zequinha; ou para algum lugar que
faríamos uma parada no “rancho da pamonha”. E eu iria me
deliciar com saborosas pamonhas. Saudade de quando minha mãe fazia
roupas para mim e eu saía me exibindo para meus coleguinhas da
escola, me sentindo muito bem vestido e feliz; mas não havia
sentindo de competição ou rivalidade, era tudo muito puro.
Saudade
de quando íamos à igreja e não víamos maldade nas pessoas, não
percebíamos que havia ganância por posição, status, poder e
exclusivismos. Não se notava tanto egoísmo e egocentrismo. Deus era
a única coisa que importava, parece que havia uma comunhão intensa
entre a maioria; o comum era mais importante que o individual. Tudo
parecia ser muito correto e havia um grande temor da maior parte de
nós com as coisas de Deus. Nesse tempo ninguém precisava de
subterfúgios para ir à igreja. E não havia, tal como Nicolau
Maquiavel “os fins justificam os meios” para dar resultados –
Jesus era o começo o meio e o fim.
Saudade
de lugares que nunca mais vi; uma nostalgia que parece nos arrebatar.
Saudade de ouvir meu irmão, o Quiel (como o chamávamos), cantando
Caetano Veloso, e eu ficar de olho em seus dedos para aprender tocar
violão; como na música Tigresa “E
eu corri pra o violão num lamento, e a manhã nasceu azul. Como
é bom poder tocar um instrumento”.
Saudade de ser inocente e achar que todo mundo era bom, e que o
futuro seria sempre um amanhã muito distante, pois ainda havia muito
tempo. Saudade de boas risadas com amigos que eram mais que irmãos e
que nunca esquecemos.
Saudade
de quando era domingo de manhã, e minha mãe fazia cuscuz
pernambucano para comermos. Hmm!, valia muito a pena acordar cedo.
Saudade quando chegava à época de Natal, e meu pai trazia um
panetone que ficava guardado em cima da geladeira para ser servido
somente no Natal. E eu não via a hora de chegar o Natal para
comê-lo!
Cecilia
Meireles nos da uma ideia do que é saudade no poema “Silenciosas
Lembranças”
De
que são feitos os dias?
– De pequenos desejos,
vagarosas
saudades,
silenciosas lembranças.
Entre
mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas
felicidades,
inatuais esperanças.
De
loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
– do medo
que encadeia
todas essas mudanças.
Dentro
deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e
em sinistras alianças…
Fernando
Pessoa já diz de uma maneira mais nostálgica sobre a saudade:
Saudades!
Tenho-as até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do
tempo e uma doença do mistério da vida. Caras que via habitualmente
nas minhas ruas habituais – se deixo de vê-las entristeço; e não
me foram nada, a não ser o símbolo de toda a vida.
Saudade
tem a ver com tempo. Saudade é a vontade de voltar a um tempo que já
não existe, mas que ainda há dentro do coração. Rubem Alves diz:
“A
saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”
Alias o tempo é eterno, quem passa não é o tempo, somos nós. Por
isso a alma eterniza a memoria do que já não há para nós, mas
que, para ela (a alma) – ainda existe. A alma é nossa eterna
finitude frente a infinitude de um momento. O tempo, no sentido
cronológico, é criação humana. Pois o tempo em si é livre de
tempo: é atemporal, é continuo, é perene – é eterno. A
eternidade, sempre existiu. Na realidade, o tempo nunca houve, nem
haverá, o tempo é o agora.
Depois
que escrevi estas sentenças, fui ler o poeta dos poetas, T.S Eliot,
e fiquei espantado com a constatação da similaridade de ideia em
relação ao tempo; percebi que não estou só. Vejamos:
O
tempo presente e o tempo passado. Estão ambos talvez presentes no
tempo futuro. E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo o
tempo é eternamente presente. Todo tempo é irremedivel. O que
poderia ter sido é obstração Que permanece, perpétua
possibilidade. Num mundo apenas de especulação. O que poderia ter
sido e o que foi. Convergem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória. Ao longo das galerias que não percorremos.
Em direção à porta que jamais abriu. Para o roseiral. Assim ecoam
minhas palavras. Em tua lembrança.
Rubem
Alves, parafraseando Adélia Prado, também tem alguma coisa a dizer
em relação a eternidade e memoria, que poderíamos traduzir por
Tempo e Saudade. Diz ele:
Aquilo
que está escrito no coração não
necessita de agendas porque
a gente não
esquece. O que a memória ama fica eterno.
O
tempo e a saudade são amigos mais que inimigos. São instantes
eternos que nos roubam a alma num sonho que sonhamos acordados e
sempre existirá.
Servo
de Cristo,
Josias
Silva
Leiam mais outros lindos textos de Josias no blog:
https://crertambemepensar.wordpress.com/
Josias Silva