Por: Fernando Marin
Uma das maiores preocupações da sociedade, hoje, é sem
dúvidas a questão do consumo das drogas. Principalmente, o das chamadas “não
lícitas”, que tem trazido uma série de
malefícios, mortes e, principalmente, vem incrementado a marginalidade, justamente
pelo seu aspecto de ilicitude.
Pouco se tem feito com vistas a controlar essa verdadeira
epidemia que está cada vez mais destruindo vidas. Na verdade, nem se sabe o que fazer, já que essa
dependência tem cura a partir do momento em que o dependente toma uma decisão
pessoal de deixar o vício. Já se partiu, inclusive , para a internação
compulsória, como forma de esvaziar as “cracolândias” que se espalham pelas
nossas cidades, embora sem muitos resultados positivos nem perspectivas de um
futuro melhor.
Na verdade, creio, pessoalmente, que a única maneira de se
erradicar esse mal seria acabar de vez com o tráfico a nível mundial, embora eu mesmo saiba das
dificuldades em se conseguir essa solução, mesmo a nível local.
E aí que aparecem sugestões para que se descriminalize o uso
da maconha, droga tida como de efeitos leves, mas, no meu entendimento, uma
porta de entrada para o consumo das chamadas drogas pesadas, como a cocaína e a
pior de todas elas, o crack, fácil de se obter e barato, acessível a todas as
classes sociais, e justamente a mais
perigosa . Os defensores da legalização da maconha alegam que seu consumo já deixou
de ser crime em vários países do mundo e em alguns estados norte-americanos, e
que essa legalização acabou com a criminalidade que envolve o tráfico.
Porém, lendo o jornal O Globo, do dia 31 de dezembro último,
me deparei com um artigo, escrito pelo deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS),
que, em um sério trabalho de pesquisa, desmistifica toda essa questão, e demonstra
claramente que a criminalidade, nesses lugares, até aumentou depois da
legalização. Por isso, transcrevo o artigo, para que todos possam tomar
conhecimento dele e formar opinião sobre essa verdadeira carnificina que se
abateu sobre toda a sociedade mundial.
Enfrentar ou liberar as drogas?
O dilema entre enfrentar ou liberar as drogas no Brasil
exige mais do que uma opinião ideológica ou sociológica sobre o tema. Exige
conhecimento da história, das pesquisas científicas mais atuais, do porquê e
como um ser humano fica dependente das drogas, das políticas públicas e da
experiência das famílias que vivem esse drama.
Sem pretensão de fazer aqui um tratado sobre o tema, posso
dizer que um ponto central desse conhecimento científico sobre as drogas, e que
é rigorosamente ignorado pelos defensores da liberação, é o de que a
dependência química produz uma mudança estrutural, definitiva, no cérebro
humano.
Fruto do estímulo continuado da droga, é produzido um novo
tipo de memória de longo prazo da sensação causada, com novas conexões entre os
neurônios no centro de recompensa cerebral, e que permanecerá para o resto da
vida. Obedecendo a um mecanismo ancestral de sobrevivência, essa estrutura
modificada passa a comandar a motivação do dependente e irá direcionar seus
interesses e ações na busca da droga, em detrimento de todas as demais
atividades. Mesmo tratado, o dependente recairá de forma cíclica, e a vitória
maior será mantê-lo em abstinência prolongada. Assim funciona com qualquer
droga. Do cigarro ao crack, passando pelo álcool e a maconha. Todas atuam na
mesma região do cérebro com as mesmas consequências. O que varia é a rapidez e
a intensidade com que isso acontece.
Tais alterações, depois de estabelecidas, caracterizam uma
forma de doença crônica, até agora incurável, e que exigirá cuidados médicos
permanentes. Junto com isso, temos um percentual elevado de portadores de
alguma outra forma de transtorno mental (ao redor de 20% da população), que são
muito mais vulneráveis À dependência química do que os não portadores. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu um livro com consensos científicos
internacionais sobre o assunto, “ Neurociência do uso e da dependência de
substancias psicoativas” (Editora Roca), que pode ser consultado.
Na minha opinião, como médico estudioso do assunto, como
secretário estadual da Saúde que fui por oito anos no Rio Grande do Sul e
ex-presidente do conselho Nacional dos Secretários de Saúde, afirmo que estamos
diante do mais grave problema de saúde pública e de segurança no Brasil. A
progressiva liberação das drogas produzirá uma oferta ampliada e multiplicará
rapidamente o número de dependentes. Criaremos uma enorme legião de doentes
crônicos, com dificílima readaptação a uma vida produtiva. E com custos humanos
e financeiros extraordinários para o Brasil.
Entendo que a liberação seria muito mais desumana e onerosa
para o país que qualquer forma de enfrentamento ao tráfico.
Até porque, liberadas, as drogas seriam “traficadas” por
grandes indústrias e teriam uma oferta colossal.
Todos os países que liberaram as drogas, como a Suécia, até
1969, e a China, no século XIX, tiveram que voltar atrás, em função dos
problemas sociais e de segurança, e tem hoje leis duríssimas sobre o assunto.
As experiências pontuais de liberação parcial do uso como a de Portugal
fracassaram, aumentando o número de dependentes em tratamento e multiplicando
os homicídios. Vide relatórios do Instituto Nacional de Administração (INA,
dezembro de 2004), do governo português. Ao contrário do que afirmam os
defensores da liberação, nos países que tomaram medidas mais firmes contra o
consumo de drogas, como a Suécia e EUA, houve diminuição de dependentes e de
homicídios. Desde a década de 80 os homicídios caíram pela metade nos EUA e na
Suécia morrem assassinadas 30 vezes menos pessoas, proporcionalmente, que no
Brasil. Em outras palavras, se aqui tivéssemos as taxas de homicídios da
Suécia, 48 mil pessoas deixariam de morrer assassinadas a cada ano.
Com essa visão, e acompanhando o sofrimento de muitas
famílias é que me motivei a propor as mudanças na lei sobre as drogas,
enfrentando, e não liberando seu consumo. Elas deverão ser votadas ainda no
primeiro semestre de 2013 na Câmara dos Deputados.
Osmar Terra
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